Beth Bento, 57 anos, artista multimídia
Trilhas
Cursei Composição e Regência na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e graduei-me Bacharel em Comunicação Social no Instituto Metodista de Ensino Superior (IMES). Obtive o título de Mestre em Arte pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e fui bolsista do CNPQ. Estudei harmonia e contraponto com Michel Philippot e musicologia com Roger Cotte. Fui aluna de Conrado Silva, onde desenvolvi práticas em oficinas de improvisação, análise e grupos de estudos sobre música contemporânea. No início dos anos 80, abandonei o estudo rígido e acadêmico, influenciada pelo conceito de paisagens sonoras e ecologia sonora que surgiu no final dos anos 60 com pesquisadores da Simon Fraser University no Canadá, liderados por Murray Schafer .
Fui co-fundadora do Núcleo Música Nova de São Paulo, e nos anos 80, participei do grupo de artistas que desenvolviam trabalhos experimentais nas oficinas de criação do SESC Pompéia. Firmemente enraizada numa estética mais arejada, expandi o meu trabalho para novos domínios, tendo como atividade principal a criação, organização e produção de áudios. São trilhas sonoras para dança, vídeo, áudio-design e paisagens sonoras para exposições, e pequenas peças sonoras para maquetes, objetos e instalações com dispositivos interativos. Há 30 anos crio Arte Sonora para artistas consagrados, entre eles Lina Bo Bardi, Gláucia Amaral, Frans Krajcberg e para importantes eventos artísticos, colaborando em exposições, espetáculos de dança, vídeos e trabalhos de multimídia.
Nas instalações, nos objetos sonoros e paisagens sonoras, sensores iam sendo acoplados, gerando uma expansão sonora criativa na relação entre público, espaço e obra de arte. Assim, cada visitante podia interagir de maneira diferente com estes pontos sonoros, criando, com sua presença, um instante único de mixagem de sons. Desde 1984, aplico esta abordagem musical às áreas de multimídia, às artes visuais, e em jogos relacionados à música. Em 2003, com o pianista e produtor Fábio Caramuru, lançamos o CD "Do Ré Mi Fon Fon" com 27 cantigas brasileiras gravadas ao piano, com sons especiais e um jogo da memória.
No trabalho como educadora, coordenei oficinas para a conscientização musical de crianças, adolescentes e adultos. Durante estes anos, não abandonei meu enfoque renovador sobre os objetivos e o planejamento da educação musical integrada a outras áreas; pesquisando, criando e desenvolvendo o material básico para o meu trabalho. Até 2003 coordenei oficinas para a conscientização musical de crianças, adolescentes e adultos. Trabalhei no SESC e participei de projetos no Centro Cultural São Paulo.
Desenhar o som num país como o nosso
Eu sempre amei a vida de uma forma inusitada. Aprendi quando criança a tocar um instrumento, depois outros, não para reunir amigos e dedicar minha energia para ser um virtuose, mas para conviver com a solidão. Estudei com afinco para compreender as linguagens artísticas, ao mesmo tempo perceber a vida e fazer o meu trabalho de forma distinta, ver além dos limites e das aparências.
No inicio dos anos 80, como citei anteriormente, comecei no Brasil os primeiros trabalhos de Arte Sonora em Exposições temáticas, instalações e objetos sonoros com dispositivos interativos (sensores). Tive oportunidades magníficas, que envolviam artistas e técnicos de altíssimo prestígio, que ampliaram as dimensões do meu trabalho, engrandecendo-o com generosidade, pois todas estas exposições as quais colaborei, fizeram muito sucesso, considerando que por inúmeras vezes, vale lembrar, receberam prêmios da crítica. No entanto, criar nos ambientes, paisagens, objetos e instalações sonoras, em um pais como o nosso se assemelhava a uma aventura!
Sobre meus contemporâneos
Posso fornecer uma pista para entender a Arte Sonora, pelo menos parcialmente. Nunca houve uma crítica no Brasil dirigida a Arte Sonora. Foi lesivo à uma tarefa que ainda estava por ser cumprida. Existiram, durante todos estes anos, desde a década de 60, muitos desvios no entendimento das terminologias. Novos termos eram lançados em diversas direções, com muitos desmembramentos poéticos, que iam surgindo dos procedimentos que os artistas empregavam a partir da experimentação. A Arte Sonora, inserida num contexto expandido da arte, foi durante muito tempo, um trabalho sem um lugar definido - não era considerado música, nem artes plásticas!
Eu me recordo como uma estudiosa de Pierre Henri Marie Schaeffer, compositor francês, notável como o inventor da música concreta, geralmente reconhecido como sendo o primeiro compositor a fazer música utilizando fita magnética. O trabalho dele abriu um vasto campo sonoro o qual influenciou a mim e evidentemente a diversos outros compositores contemporâneos. Levei em consideração nos meus estudos as inovações e experiências de Norman Mac Laren, e na área musical da equipe de Murray Schafer, Meredith Monk e John Cage. Cage logo se entediou com as estruturas clássicas e passou a compor trabalhos mais curiosos. Lembro-me que interpretamos na Bienal de Música em São Paulo, uma obra de Cage, denominada "Palestra a 4 Vozes" com o Núcleo Música Nova na presença de John Cage. Incluí também nas minhas pesquisas tudo que se referia ao Fluxus, que foi um movimento artístico caracterizado pela mescla de diferentes artes - primordialmente das artes visuais -, mas também da música e literatura. Em meio a este contexto, comecei no início dos anos 80 um trabalho interdisciplinar, no qual artistas e técnicos unidos pelos saberes podiam produzir trabalhos coletivamente.
Durante todos estes anos de pesquisa, estes procedimentos poéticos foram traduzidos ou interpretados aos ouvidos especializados como formas menores de música, e intitulados de sonoplastia, às vezes de trilha sonora, denominação eleita até nossos dias, por muitos que são alheios ao assunto específico de justaposições poéticas (gravar, montar, processar e combinar os sons).
Colaborei com artistas, jornalistas, historiadores, em exposições importantes como a de Pablo Picasso no MAM do Rio de Janeiro, Flávio Império, Gianni Ratto, Antônio Alcântara Machado, Mário de Andrade, Frans Krajcberg no museu de Arte Moderna de São Paulo, entre tantos outros.
Alguns teóricos e músicos, nos últimos anos começaram a se preocupar com o assunto, surgem os Artistas Sonoros, e as portas se abrem aqui, somente nesta década, para a Arte Sonora e o Design Sonoro!
Em meio a tudo isso, há uma realidade que pertence àqueles que trabalham isolados com algo tão peculiar. É muito árduo satisfazer os nossos anseios básicos, que é a busca, em primeiro lugar por comida e abrigo. Uma vez satisfeitos estes anseios é que podemos passar a se preocupar com a liberdade no sentido mais amplo, a pura inquietação pelo direito de sobreviver com a criação! Não é fácil preparar ou mudar as pessoas para perceberem o universo de forma diferente e contribuir diante de um mundo que está cada vez mais materialista. No entanto, valeu esta aventura, desbravar mundos e pagar a pena pelo direito de criar!
Agora os tempos são outros, considerando que o acesso a informação está infinitamente mais fácil, rápido , mais planetário, e as cabeças estão repletas de dados atualizados.Infelizmente este mundo materialista, se tornou seco, substituem a reflexão, por novas informações a cada instante!
Deixarei aqui alguns nomes da cena contemporânea artística (artista sonoro, compositor e intérprete) que vale a pena conhecer: Seth Clueth, Godfried-Willem Raes, R.H.Y. Yau, Ed Osborn,Tilman Kuntzel, Moniek Darge, Françoise Vanhecke, Conrado Silva...
L´exception française
Entendo que este tema tem duas vertentes; por um lado corresponderia a uma espécie de orgulho nacional de povos que vêem sua língua (“minha pátria é minha língua”, F. Pessoa) ameaçada pela universalização da língua inglesa. Por outro lado é uma forma de resistência contra a banalização trazida pela cultura de massas desenvolvida pela supremacia da sociedade de consumo estadunidense.
A minha relação com a cultura francesa e francófona em um primeiro momento se deu pela necessidade de enriquecer os meus conhecimentos. Aproximei-me da cultura francesa, pela importância que ela tem para a Cultura em geral. Logo depois tive a oportunidade de estudar com professores franceses; tudo veio a colaborar e manter a minha curiosidade por todos os aspectos da cultura francesa e francófona, daí para o fascínio foi um instante.
La Bibliothèque du Coeur
São tantos os livros que têm importância, alguns “fizeram a minha cabeça”, outros falaram diretamente ao meu coração. Escolher alguns é tão difícil, uma “escolha de Sofia”, mas vamos lá: toda a geração Beat, "Silence" de John Cage, "Lolita" de Nabokov, a literatura Zen à qual fui apresentada por “The Zen Doctrine of No-Mind" de D.T.Suzuki, os livros de Guimarães Rosa, Artaud, Lautreamont, Gide, Camus, Mario de Andrade - não apenas o escritor de Macunaíma, mas principalmente o musicólogo descobrindo o Brasil -, "Leite Derramado" de Chico Buarque de Holanda, "La Musique Maçonique et ses Musiciens", de Roger Cotte, Guilhaume Apollinaire ("Calligrammes") e Proust, e Nietzsche, e U. Eco, e Merleau–Ponty, mon Coeur é infinito, mas por ora ficamos por aqui.
* portrait de Beth Bento por Antonio Saggese
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Beth, que riqueza de vida e obra! Beijos!! Mauricio Trindade
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